3 de maio de 2013

Rapidíssimas: o direito de ser idiota e outras notas sobre o senso comum




Por que é muito provável que grande parte do conhecimento obtido via senso comum esteja certo ou, ao menos, não ofereça riscos importantes a ponto de exigir uma classificação do tipo?

R: É notório que a imensa maioria dos conhecimentos que utilizamos nas atividades cotidianas e que nos habilitam a viver nosso dia-a-dia não são obtidos por meio de revistas científicas. Isso basicamente por dois motivos: ou são inofensivos demais para que um possível erro de avaliação precise ser enfaticamente combatido pela ciência, ou tratam de coisas que o mero costume alcançou uma fórmula sobre a qual a ciência ou o raciocínio lógico não têm qualquer interesse em analisar seriamente (ex.: hábito de usar pijamas, pentear o cabelo, abrir a panela, empinar a roda da bicicleta, usar terno, sapatos ou cinto para ir trabalhar, ouvir rádio no trajeto do trabalho, o modo de amarrar os cadarços, a maneira "correta" de tomar banho, etc.).

Agora, em relação a uma certa minoria de conhecimentos que realmente importam para a qualidade de vida do ser humano, da sociedade ou dos seres vivos em geral, precisamos tomar cuidado com o que leciona o senso comum (esse conhecimento obtido sem critérios, mas que "parecem" corretos). Aí a racionalidade precisa ser mais apurada que o costume, sendo o maior exemplo as questões que implicam em opinião de "certo" e "errado" em matéria de comportamentos sociais em geral (ainda que se considere que haja inevitavelmente correntes a respeito do assunto - sendo ideal mesmo que se conheça todas, e razoável que se conheça ao menos a maior parte delas, ou, de forma suficiente, as mais importantes, para que assim se possa estabelecer o devido elo argumentativo entre elas, bem como em relação ao objeto tratado, com base em métodos mais confiáveis, normalmente partindo de critérios lógico-racionais).

Em matéria de educação (esse "grande esforço coletivo na intenção de tornar o mundo melhor"), melhor guardar os "achismos" para si, eis que na maior parte das vezes (em relação aos temas importantes) só serviriam para deseducar a população ou legitimar definitivamente o erro. Obviamente que é difícil agir com a responsabilidade que essa racionalidade exige (a maioria talvez nem saiba como raciocinar corretamente, com base na lógica - apesar de que normalmente se pensa que sabe), mas em nome da evolução cultural da humanidade, é sugerido que se duvide mais de suas convicções antes de passá-las adiante (por mais que elas pareçam "fazer sentido").

Não obstante...

Duas são as questões sobre as quais considero importante refletir, e em relação as quais não consegui alcançar resposta satisfatória (e que guardam relação com a questão suscitada).

Primeiro: O papel que deve ocupar a opinião do ignorante (assim considerado aquele que não tem conhecimento suficiente sobre determinado tema que exige reflexões e conhecimentos mais apurados)

Segundo: O direito de ser "idiota" (lembre-se: cada vez que você, no papel de educador, ensina que "o certo" é algo em relação ao qual há no mínimo grandes controvérsias a respeito - as quais você deveria ao menos conhecer - você está sendo, no mínimo, um idiota...).


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"Quem matou o artista? Há assim várias hipóteses. E também vários suspeitos. Foi o martelo do operário? Ou foi apenas um acidente de trabalho? Foi a caneta do burocrata? Ou se intoxicou com a tinta dos carimbos? Ou foi o giz da sala de aula? Foi uma bala perdida? Ou ela era direcionada? Ou talvez tenha morrido de fome, para aumentar os lucros dos investidores?


O artista morreu, mas se recusa a ser enterrado
Levanta-se do caixão e corre desatinado
Nu pelos campos
Causando espanto entre as velhas senhoras da sociedade
As pessoas se espantam e gritam
E os senhores engravatados se reúnem:
O artista só faz perturbar a ordem!
E isso não é bom para os negócios
Quem vai conseguir enterrar o artista
e conseguir enfim estabelecer a ordem no mundo?

O artista tem o peito aberto
Por onde escorrem-lhe as entranhas
É agora um zumbi, um verme, um corvo
Transformando o podre em nova vida
E produz mau cheiro
Chafurda a morte
Tem um vômito ácido
Mas toma um Sonrisal® e segue em frente

Já não tem fígado ou pulmão
E o coração está em pedaços
E ainda assim, de suas tripas espalhadas,
Constrói sua obra-prima"


(Paulo A.C.B.Jr)